O espírito da floresta submersa
Acabo de sair da exposição Florestas Submersas, em Lisboa. Em um só aquário ao longo de quatro grandes paredes, bichos e plantas dialogam em cores e movimentos numa intimidade que parece ser eterna, mesmo que em uma recém plantada hidrofloresta, cuidadosamente criada pelo japonês Takashi Amano. Associando observação do ambiente natural à sensibilidade criativa, implantou caprichosamente uma síntese de ecossistema aquático com seus múltiplos habitats, parecendo ser uma natureza esculpida pelo tempo.
Na gravação em vídeo, diz que veio ressarcir uma parte da dívida que sua terra tem com Portugal, por ter sido o primeiro país a levar para lá a cultura ocidental. Entre os homens, acredita no diálogo de culturas que gerou o Japão de hoje.
Com a tranquilidade de um sábio, previu que seu jardim estaria bonito e pronto para ser admirado pelos portugueses somente em três meses. E assim aconteceu. Mas sabia que estava com câncer terminal, e talvez já imaginasse um outro desfecho para si próprio – a antítese da construção que arquitetara – a desorganização que se apoderou do seu eu enquanto corpo.
Mas nada o desestimulou a continuar a fazer arte e a escrever seu sentimento nas águas daquele aquário, mesmo se enxergando imediatamente finito. Talvez porque tivesse a certeza de que a fronteira do pensamento ultrapassa o limite da vida individual, já que uma vez expressado já não é propriedade do eu e passa a pertencer a um universo até maior do que o das civilizações.
Por isso, Takashi permanecerá contribuindo para o espírito dos que ficam, que continuarão se emocionando e se motivando a viver toda vez que puserem seus olhos ou lembrarem da harmonia daquela floresta submersa.
Ricardo Braga, presidente da Ane
Lisboa, 13 de julho de 2016.